Que o Brasil está vivendo uma crise na cadeia leiteira não é novidade. As lideranças do setor atribuem a crise principalmente à disparada das importações de leite e derivados da Argentina e do Uruguai, em especial o leite em pó, que segue em aumento expressivo desde agosto de 2022. Os itens, que entram no Brasil sem tarifas em razão do Acordo de Livre Comércio entre países do Mercosul, acabam achatando os preços pagos pelo leite aos produtores locais.
De janeiro a setembro deste ano, o Brasil importou 171,5 mil toneladas de leite, creme de leite e laticínios (exceto manteiga e queijo), volume 108,4% superior ao do mesmo período de 2022. Desse total, 87% vieram da Argentina e do Uruguai. Pesquisas mostram que o leite em pó importado dos países vizinhos chega ao Brasil com preço de R$ 17,00 o quilo, enquanto a mesma quantidade do alimento nacional custa em torno de R$ 24,00, inviabilizando a competição. O cenário que já não era favorável passa a ser mais desafiador com a recente decisão da Argentina de suspender até o fim do ano a cobrança de “retenciones”, impostos aplicados sobre o valor das exportações de leite em pó e outros lácteos.
Em resposta a uma série de manifestações e solicitações de fortalecimento do setor (que chegaram ao Ministério da Agricultura e Pecuária em junho e julho), no segundo dia de outubro, o governo federal anunciou as medidas de apoio à cadeia do leite, que em virtude do aumento da importação de produtos lácteos, dos custos elevados de produção e dos baixos preços recebidos pelos produtores, provocaram uma das maiores crises no setor leiteiro no Brasil.
Dentre as medidas, foi anunciada a revogação de medidas impostas pelo governo anterior, que estimulavam a importação de leite. Foi aprovado o aumento do imposto de importação de 12% para 18% pelo período de um ano para três produtos lácteos, que, vale ressaltar, não são nem de longe os principais responsáveis pela crise. Outra decisão foi a anulação da redução da Tarifa Externa Comum em 10% de 29 itens de produtos lácteos. Novamente, a expressividade do fim da alíquota de 10% é baixa e tem pouco impacto na crise em questão, uma vez que não afeta o comércio no Mercosul.
Na live com mais de 800 membros dos diversos elos da cadeia produtiva do leite os representantes do governo anunciaram a implantação de uma fiscalização especializada via Polícia e Receita Federal, a fim de garantir o cumprimento dos tratados internacionais de comércio que não permitem a triangulação na comercialização do leite em pó, além de fiscalizar também a reidratação do produto por parte das indústrias que o importam.
Foi anunciada também uma medida de aquisição pública por meio do Programa de Aquisição de Alimentos, via Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O governo esclareceu que o produto alvo da compra é o leite em pó, não sendo possível destinar o recurso para compra do leite in natura. A compra será realizada de estados que detém uma maior produção, dentre eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, e possivelmente alguns estados do Nordeste que tenham produtos estocados. O valor anunciado pelo governo federal para a compra foi de R$ 100 milhões, e deve ser direcionado à compra da agricultura familiar. Do montante, mais de 7 milhões já foram destinados em uma chamada pública para o estado do Paraná, encerrada em 13 de outubro. O produto adquirido será distribuído inicialmente para pessoas em condições de insegurança alimentar e nutricional, sendo passível de distribuição em creches, asilos e outros que o demandarem.
Discutiu-se também sobre a subvenção, que é um auxílio financeiro concedido pelo poder público, em caráter assistencial, sem fins lucrativos, com o objetivo de cobrir despesas de custeios. Antes de causar a exaltação dos ânimos, a medida foi tratada como uma das mais difíceis para implantação, uma vez que ainda depende de aprovação de recursos, muitos recursos. A ideia é que sejam estabelecidos preços de referências por estado, com recursos diretos aos produtores, caso estejam com vendas abaixo do preço de referência.
Além disso, foram discutidas medidas envolvendo o Programa Mais Leite Saudável (PMLS), que permite que as indústrias utilizem crédito presumido do PIS/Pasep e da Cofins da compra do leite in natura. Na live, que aconteceu dia 02 de outubro, o governo anunciou que nos próximos dias seria publicado o decreto que altera os incentivos fiscais concedidos às agroindústrias, cooperativas e setores de laticínios, que participam do PMLS. No dia 17 de outubro o decreto foi assinado, e deve ser publicado em breve. A medida tem por objetivo limitar o benefício de usar 50% dos créditos presumidos a estabelecimentos que só compram de produtores nacionais, enquanto as empresas que compram leite no exterior devem continuar com impostos padrão e podem usar apenas 20% desses créditos. Como se trata de uma medida tributária, a nova regra deverá entrar em vigor 90 dias após sua publicação.
Em resposta a muitos questionamentos em relação às dívidas acumuladas pelos pecuaristas, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, informou que ainda no dia 02 a questão seria apresentada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para proposta de um “desenrola no campo” como o disponibilizado na cidade. O objetivo é que os agricultores possam se adequar, em especial em relação àquelas dívidas adquiridas em razão de fenômenos climáticos, como as secas e queimadas no Norte e Nordeste, clima instável no Centro-Oeste, e chuvas e ciclones no Sul.
No contexto atual, três semanas após a publicação das medidas propostas pelo governo, apesar da forte crença demonstrada por eles de que as medidas serão suficientes para conter a crise, e que inclusive já são colhidos resultados dessa intervenção, as notícias têm demonstrado ainda muita preocupação por parte dos produtores e representantes da cadeia leiteira, que seguem em protesto para cobrar mais ações. Para os representantes dos pecuaristas, as medidas de apoio anunciadas pelo governo federal trouxeram pouco alívio ao setor, que pede a oferta de algum tipo de incentivo à produção. As organizações de apoio aos produtores rurais têm defendido também a necessidade de assistência técnica para ajudar a reduzir custos de produção, fomentar o desempenho dentro da porteira e promover maior competitividade.